Perene

Friday, December 30, 2005

PERENE


"Todo livro é para sempre..."

(Paulo Brasil de Lima)



‘...um homem sente-se realizado
quando faz um filho,
planta uma árvore e
escreve um livro...’

(Alguém escreveu algo semelhante...)



‘...tenho três filhos,
plantei um pé de coentro e
escrevi este...livro! ...uauh!’

(O autor realizado...)

Prólogo

Quando recebi o convite para fazer o prólogo deste livro me senti muito honrado. Não só pela admiração que tenho pelo autor como também pelo fato de receber dele essa consideração, o que interpretei ser um reconhecimento à nossa velha amizade.
Laços familiares nos unem, tendo em vista que Paulo Brasil é casado com irmã com a qual mais me identifico e por quem nutro uma especial amizade.
Paulo é uma pessoa de rara sensibilidade e bela simplicidade. Tem o estado de espírito do bonachão, do intermediador, do constante, aquele que hoje se apresenta exatamente com os mesmos atributos e princípios que demonstrava ter 30 anos atrás.
Posso descrevê-lo como uma personalidade bem constituída, que trás consigo a essência dos habitantes do nosso país.
É o brasileiro da boa prosa, hospitaleiro, que ama todos os aspectos culturais do seu país, sem se descuidar de valorizar o latente potencial do Brasil proveniente da suas imensas riquezas inexploradas.
Ingressou na nossa família bem jovem, durante o pior período que o Brasil já viveu...A revolução de 1963. Muito jovem eu pegava uma carona nos jornais "Pasquim" por ele comprados e lidos na minha residência.
Paulo é admirado por todos nós seus familiares aqui do Rio de Janeiro e pela sua grande e inesquecível família do Recife.
Essa personalidade muito rica gerou uma base para que os seus filhos se tornassem jovens bem instruídos e bem estruturados. Considero o autor um tipo raro de pessoa, pois, apesar do convívio de quase 4 décadas, até a presente data não tive a oportunidade de conhecer um único inimigo que ele tivesse constituído.
Por isso, o livro ora apresentado, é um convite irrecusável para aqueles que desejam ser presenteados com horas agradáveis de leitura.
Paulo expõe suas experiências, suas emoções, sua opinião, suas reflexões em pequenas crônicas onde não falta espaço para homenagear aqueles entes mais queridos e homenagear as "suas terras", a atual e a do passado, uma vez que nunca se permitiu o desleixo de perder de vista as suas raízes, formadora desta admirável personalidade.
Atrevo-me a dizer que este livro é um ato de ousadia não esperada pelos amigos que têm o privilégio de com ele conviver.
O autor abre as páginas de suas memórias, manifesta os seus conceitos e me tornou engrandecido culturalmente, sem perder nessas linhas a simplicidade que enriquece a sua personalidade.


Gilmar José Santana de Barros
Presidente do
www.bulldogclubdobrasil.com.
e-mail= ultrabull@carving.com.

Agradecimentos

Agradeço a papai,

Epitácio

que, com carinho, amor,
respeito e confiança, depositou
no ventre da mamãe,

Eufrásia

um zoidinho lindo e maravilhoso,
que, sob a batuta de

DEUS,

deram-lhe luz e vida para,
com o nome Paulo e na qualidade
de inquilino temporário, co-habitar
esse mundo maravilhoso.

Confissão

Antigamente uma pasta de plástico guardava os textos manuscritos ou datilografados, carinhosamente por mim lavrados, cuja prática vem de minha adolescência e alguns bilhetes, na verdade, desde minha meninice.
Com o advento do computador (que chique!), a velha pasta, desbotada, com beira e eira arriba, o elástico que a fechava vencido, foi lançada fora sem dó nem piedade.
Seu conteúdo se transformou em arquivos e pastas virtuais, agora vigiados por Rex, aquele cachorrinho eletrônico que não me deixa esquecer a forma correta de escrever a palavra e mesmo assim consigo burlar sua sentinela e atropelar a língua de Camões.
Com acesso fácil e livre aos escritos, Gilcéia, minha esposa, juntamente com Isabel, Ana e Paulo Henrique, meus filhos, me incentivaram a selecioná-los e agrupá-los num livro, alegando boa leitura, portanto usando da prática da sedução e ilusão, em cujo bojo embarquei.
Mea culpa.
Em minha defesa tenho a oferecer o esclarecimento que os textos são fictícios ou mistos, portanto com omissão a datas e infidelidade nas narrações dos acontecimentos históricos, já que não têm cunho didático e os nomes das personagens foram angariados entre parentes e amigos com intenção de homenageá-los sem envolvê-los nos contos.
Outrossim, desejo que este livro tenha a equivalência de uma fotografia dada a um amigo, para que este a coloque, após leitura, em sua estante. Oxalá a foto saia boa.
Qualquer sucesso alcançado credito à minha família que, em contra proposta, dividirão comigo o ônus e dissabores da decepção, sem esquecer Mocinha, cadela multiraça, carinhosa, que deitada aos meus pés, testemunhou por longo tempo a elaboração desse livro, tendo sido alcançada por óbito aos 12 anos, deixando saudades e o Rex, coitado, companheiro paciente e incansável nas buscas e correições.


O autor.

Do Nada Ao Nada

Uma Viagem Fantástica

“Absolutamente nada”. Era o que eu via, sentia, pensava. Escuridão total. Não havia tato, som, gosto ou cheiro. Nada me tocava. Estranhamente me sentia confortável, seguro e... Feliz.
É! Mesmo inconsciente, era isso que sentia quando de repente, ... Excitação!!!
Algo me comprimia, me apertava, me sufocava. O ambiente em que eu estava ficou pequeno, úmido, pegajoso, aquecido e prazeroso, fui tomado pela sensação de um vulcão prestes a explodir.
Surpresa. Eu não estava sozinho. Havia uma infinidade de seres semelhantes a mim, porque agora eu os sentia, os tocava e eles me tocavam. Não os via mas o tato denunciava algo com apenas cabeça e rabo, e, se eram a mim semelhantes, eu também tinha aquele aspecto estranho.
Agora o calor tomava conta de meu corpo, dos meus companheiros e também de todo o ambiente. Uma euforia de bons e incontroláveis sentimentos nos jogou violenta e prazerosamente em outro ambiente à velocidade de um espirro.
A temperatura parecia a mesma. O lugar, agora mais tranqüilo, transmitia segurança, conforto e até o odor era agradável. Havia no ar sentimento de carinho, amor, paixão e... Competição!
Todos corriam, ou melhor, nadavam na mesma direção que eu sentia ser atraído como se estivesse sendo puxado por um ímã. Se era um ímã eu não sei, mas tinha uma forma redonda como uma pequena bola de gude e o desejo de penetrá-la dava-me força superior a que tinha.
Puxa daqui, empurra dali e finalmente consegui romper aquela esfera que eu encontrei no caminho a viajar com destino ignorado.
Não sei o ocorrido com meus companheiros de aventura, mas o que eu encontrei dentro daquela condução foi nada mais que minha outra metade que nem sabia existir e ao meu primeiro toque ela se incorporou a mim e, a transformação foi imediata e contínua.
Após breve viagem, cheguei a um local que poderia chamar de “meu lar”. Sentia-me crescer e desenvolver sem parar, com segurança, carinho e amor.
O tempo passou depressa e eu já não tinha só cabeça e rabin... Ai meu Deus! Na pressa de entrar na bolinha meu rabinho ficou de fora! Não tem mais importância. Eu agora sou muito mais bonitinho porque eu ganhei em troca um corpo com duas pernas, pés, braços e mãos e para decorar a cabeça fui premiado com dois olhos, ouvidos, orelhas, uma boca e um nariz. Tudo isso sem contar com um bastão e duas bolas que são de caráter privado e não devem ser expostos em público.
De repente, dores e compressões tornaram o ambiente agitado e inóspito e uma força inexplicável me empurrava em direção àquela luz que surgiu do nada e com seus raios fúlgidos me obrigava a manter meus olhos fechados.
Eu estava com muito medo quando algo me pegou pela cabeça e me puxou com força para aquele brilho intenso. Eu estava apavorado e aos poucos abri os olhos e pela primeira vez, imagens foram se formando diante de mim.
Vi o novo ambiente em que eu estava. Tinha sons nunca antes ouvidos. Seres semelhantes a mim, só que maiores e estavam dentro de sacos esquisitos e usavam máscaras.
Eu não entendi nada. Não falavam a minha língua, uns sorriam enquanto outro me batia e um outro colocava coisas estranhas em meu nariz, boca e ouvidos. Eu chorava aos prantos e desta vez escutava meus próprios gritos. Fui posto sobre um daqueles seres, que chorava como se estivesse triste, mas no seu rosto brilhava a luz da felicidade explícita e pronunciava algo estranho, parecido com “É a mamãe. É a mamãe”.
Pela primeira vez, meus sentimentos eram ativados pela visão e assim senti amor à primeira vista. Minha cabeça repousava entre duas grandes bolas com bicos que eu achei bonitinhas e que tinham cheiro agradável que atiçavam meu apetite. Senti fome. Acabaram de me tirar de um saco cheio d’água e agora me deitaram dentro de um objeto cheio d’água. Que gente confusa!
De volta à mamãe, fui premiado com aquelas bolas enormes, uma de cada vez. Quando tentei engoli-las, não consegui, mas fiquei tão cansado que adormeci e sonhei coisas indecifráveis, senti-me menos seguro, mais feliz.
Acordo dentro de um grande objeto que roncava e se movia e descobri a velocidade de uma viagem que começou desde aquele dia da excitação. Cheguei ao destino e lá conheci pessoas novas e velhas que se dividiam entre irmãos, avós, tios, e um que tinha cara de bobo e não parava de dizer: “É o papai, é o papai”.
Neste novo lar, cresci e aprendi que era passageiro no Planeta Terra, viajando a 460 metros por segundo em torno de si mesma e a 30 quilômetros por segundo em torno do Sol, com destino ignorado.
Aprendi também que tudo que existe no universo foi criado por Deus e me senti muito grande e importante. Afinal sou filho do Dono.
Um dia envelheci e após trabalho, filhos e netos estava pronto para outra viagem que, como a primeira, não sabia quando começava, por onde seguia e qual seria o destino.
Só sei que a primeira viagem encerrou-se com o apagar da luz e “absolutamente nada”.

O Vôo do Medo

Saulo se encontrava em Recife há três meses e os compromissos o chamavam de volta para o Rio de Janeiro, agora em caráter de urgência. Os recursos financeiros se extinguiam rapidamente, assim como o tempo disponível. A viagem de ônibus, além de aventureira, exigia o tempo que ele não mais tinha, como também disposição e paciência que os seus 46 anos deixavam a desejar.
O socorro não tardou e veio de perto, da família, melhor dizendo: Wilmar, seu cunhado, trabalhava numa grande companhia aérea e seu cargo o credenciava a usar passagens gratuitas.
O plano: Wilmar reservou a passagem para o Rio nas primeiras horas do dia, se apresentou para o “check in” e em seguida saiu da área interna do Aeroporto Internacional dos Guararapes e se dirigiu para umas bancas de frutas existentes no outro lado da praça, em frente ao aeroporto.
Saulo chegou, recebeu de Wilmar o bilhete de embarque, despediu-se e seguiu com sua bagagem de mão para o portão de embarque, onde aguardou o chamado.
Foram longos e angustiantes vinte minutos de espera, num aeroporto vazio com poucas pessoas divididas entre o “check in”, embarque e espera de poucos vôos programados naquela madrugada. Saulo pensava nos momentos que antecederam aquela espera; na conversa com Wilmar que ofereceu aquela solução; na recusa da ajuda alegando riscos de perda do excelente emprego que Wilmar detinha; no argumento de Wilmar, salientando que não havia identificação do passageiro na área de embarque, o que só ocorria na área do “chek in”; na possibilidade de um “azar” e eles se verem envolvidos com autoridades.
Num determinado momento, seu rosto desmanchou a preocupação desenhada e deu espaço para um breve sorriso, quando lembrou de seu outro cunhado Heraldo e seu sobrinho Esdras, que o levaram de casa ao aeroporto.
No caminho faziam planos de como eles deveriam proceder naquela “Operação Embarque” que aconteceria nas próximas horas: Heraldo sugeriu que avançassem em alta velocidade em frente ao aeroporto, um freio brusco, uma saída rápida e novamente o carro em alta velocidade, se afastando do local.
Esdras opinou pela velocidade, mas não o freio, apenas o automóvel em menor movimento, um corpo que cai e rola para a calçada e a fuga do veículo sem identificação; e todos riram do temor indisfarçável de Saulo.
Seus pensamentos foram tragicamente interrompidos pelo chamado da funcionária da empresa aérea, fazendo desaparecer o sorriso, sendo substituído por expressão séria imposta pela situação.
Primeiro ato tudo aconteceu conforme o previsto por Wilmar: a funcionária limitou-se em conferir o cartão de embarque, encaminhando os quinze passageiros para a aeronave a 50 metros.
O segundo ato ocorreu normalmente, quando da acomodação dos passageiros no avião. A demora para decolar pareceu bem maior que a de praxe, até que Saulo cerrou os dentes como se quisesse impedir que seu coração saísse pela boca, ante a visão, pela janela do avião, de uma tropa da Aeronáutica que marchava em direção ao aparelho e depois se detendo e perfilando-se em frente à escada de acesso à aeronave.
Os pensamentos de Saulo se multiplicavam e se atropelavam mutuamente, até que o sargento ordenou e os praças se deslocaram aos pares em várias direções internas do aeroporto.
A respiração tentava entrar em ritmo normal, quando um funcionário subiu a escada de acesso falando ao “walkie-talkie”, fez uma pausa na porta e seguiu em direção ao interior da aeronave, tudo sob o olhar atento de Saulo, através do reflexo do vidro da janela que dava visão para fora e dentro do aparelho. “Por favor, cavalheiro, qual seu nome?” Perguntou o funcionário. Saulo respondeu com segurança, dando o nome completo de Wilmar. O funcionário agradeceu, voltou até a porta, olhou numa lista que tinha às mãos, falou algo no rádio transmissor portátil e desceu a escada que pouco depois foi recolhida, a porta fechada, começou o taxiamento e, finalmente, a aeronave se fez flutuar.
Um grande sentimento de paz e tranqüilidade invadiu o peito de Saulo que o levou a adormecer. O toque suave da aeromoça o despertou e informou que o Aeroporto Internacional do Galeão se aproximava e ele deveria sentar-se corretamente e usar o cinto de segurança.
A vista estava esplendorosa, o dia nascia lindo no horizonte, por cima das nuvens e o avião mergulhou no sentido da pista. Lá embaixo tudo escureceu, chovia e ainda era noite. O desembarque tinha seu curso normal e Saulo e mais dois passageiros foram encaminhados para a alfândega, por policiais federais, o que não era ato comum.
O pesadelo de Saulo voltou a atormentá-lo, trazendo o mal estar de duas horas e meia e mais três mil quilômetros atrás. Ao ser identificado como passageiro doméstico foi liberado sem ter sua bagagem devassada e nenhuma outra pergunta feita. Saulo pensava em esperar o dia amanhecer outra vez para tomar o rumo de casa, mas os maus pressentimentos daquela viagem o fizeram deixar para trás, o mais rápido possível, a área do aeroporto.
À noite, ficou sabendo de Wilmar, por telefone: que, a hora foi mal escolhida, sendo melhor durante o dia, com mais movimento; que, ao sair do “check in” e dirigir-se ao fruteiro, ele foi observado pelas duas moças que o atenderam e o aeroporto tem boa parte da frente com grandes portas de vidro. Ao perceber esse detalhe, Wilmar, que aos 36 anos de idade mantinha boa forma física que chamava a atenção feminina, se colocou por trás das bancas enquanto saboreava as frutas nordestinas; que, ao chegar a hora, sua presença não foi notada no portão de embarque pelas funcionárias, o que as fez comunicarem-se com o funcionário do embarque e este se dirigiu a Saulo pelo número do assento; que, a coluna de praças que marchou na pista, estava substituindo o plantão anterior que fazia a segurança das aeronaves e pistas internas no aeroporto; que, finalmente, a passagem por Órgãos federais no Aeroporto do Galeão, foi necessária por se tratar de vôo internacional Fortaleza / Buenos Aires com escalas em Recife / Rio / Porto Alegre.
Se Saulo soubesse desses detalhes no momento de cada acontecimento, teria feito uma viagem de aventura e não “O Vôo do medo”.

Oh! Linda...

Entrincheirados no pequeno Forte do Carmo, soldados portugueses ansiosos e temerosos só contavam com um razoável número de brasileiros nativos, índios catequizados e negros escravos malocados nos morros e matas de Olinda, para defender a cidade com unhas e dentes, no mais verdadeiro sentido da palavra.
A vista era bela e romântica, mas quem participava daquele funesto encontro prometido, as dezenas de caravelas holandesas que pontilhavam de branco o encontro do verde do mar com o azul do céu no horizonte pernambucano, sabia da impossibilidade de rechaçar aqueles marinheiros bem liderados e preparados para a invasão.
Armadilhas preparadas, lanças afiadas, espadas limpas e amoladas e canhões apontados para o leste com suas balas empilhadas ao lado daquelas máquinas mortíferas.
A noite se aproximava e a concentração cada vez maior das naves nos arredores de Olinda indicava ser para amanhã a grande batalha.
Os soldados examinavam seus uniformes, suas armaduras, seus esquisitos chapéus laminados, ajustados por tiras de couro por baixo do queixo; apertavam os largos cintos que seguravam além das calças, facas e machadinhas que faziam estragos quando atingiam o inimigo.
Fora do Forte, as mulheres e crianças, em sua maioria já tinham sido encaminhadas para as terras distantes das praias; as que ficaram, além de preparadas para a luta, ainda tinham as funções de enfermeiras e cozinheiras e eram elas que abasteciam de munição os pontos de resistências.
A noite se fez e o dia seguinte se anunciou belo e brilhante completamente alheio à peleja desigual que estava começando.
Os poucos que conseguiram dormir, despertaram com os primeiros tiros de canhão que do Forte tentavam acertar as primeiras caravelas que se aproximavam do litoral; a resposta não tardou e balas de ferro rompiam paredes e derrubavam os prédios residenciais mais próximos à praia; não distinguiam os grandes, charmosos, belos, coloridos casarões dos nobres moradores, das pequenas e simples, mas também coloridas moradias dos mais pobres.
As primeiras horas da batalha passaram rapidamente e os primeiros marinheiros holandeses desembarcaram na praia olindense provocando as primeiras lutas corpo-a-corpo e em conseqüência as primeiras baixas sangrentas.
O dia passou deixando na praia muitos mortos e milhares de soldados marinheiros já instalados nas trincheiras cavadas nas areias brancas, tingidas de encarnado pelos corpos decapitados e desmembrados.
À noite, devido à escuridão, as lutas cessavam e davam lugar ao socorro dos feridos e sepultamentos dos mortos em covas rasas e sem cerimônias.
Ao amanhecer, a peleja para a tomada do Forte tornou-se uma carnificina e à tarde a fortificação capitulou incondicionalmente.
Foi-se a tarde e veio a noite trazendo para os defensores de Olinda muita preocupação e inquietação, já que a batalha seria de casa em casa e muito mais sangrenta e estúpida que até então.
Roberto é um dos centenas de homens que luta desde o início da invasão para defesa de sua família, propriedade, liberdade, sua cidade amada e de Sueli, sua namorada querida que não quis, de forma nenhuma, seguir para o interior.
Preferiu com orgulho ficar com as demais mulheres que auxiliavam os heróicos combatentes, dentre eles o seu bem amado.
Roberto não estava ferido, somente exausto da luta que participa desde as primeiras horas e não tinha sequer dormido; mandou chamar Sueli, sua amada, para que cuidasse da sua roupa e comida, enquanto tentava dormir; ela chegou, prestou-lhe a ajuda pedida e deitou-se ao seu lado para usufruir daquele raro momento de paz.
O sono foi profundo e o amanhecer do terceiro dia trouxe do longe ruídos estranhos, muita zoada, gritos que pareciam lamentos ou loucura coletiva e batidas frenéticas de tambores e notas musicais de instrumentos de sopro.
Roberto e sua companheira ainda estavam embriagados pela luta, cansaço, expectativa e temor daquela briga insana e grotesca; ele mal tinha forças para abrir os olhos; sua cabeça associava o som às imagens da batalha.
Os holandeses subiam as ruas estreitas e tortuosas ateando fogo a tudo e todas as propriedades que encontravam pela frente, enquanto os moradores da Vila tentavam rechaçá-los lutando cada um como se fossem três; as imagens da resistência eram contagiantes pelas bravuras, mas constrangedoras, pela violência.
Agora os negros desciam em bloco cantando alto seus gritos de guerra e batendo tambores nos ritmos africanos; as ruas perpendiculares eram invadidas pelos índios com seus arcos e flexas, como também lanças e tacapes e arrastavam muitos populares.
Os idiomas conhecidos e estranhos falados aos gritos se misturavam com vários ritmos tocados e cantados. Sem dúvidas as lutas já estavam sendo travadas embaixo de sua varanda; Roberto morava num sobrado, com sacada para a rua, junto ao Mercado da Ribeira, onde dentre as mercadorias e animais, eram vendidos os escravos.
O dever, a honradez e a sobrevivência clamavam por Roberto e ele não era homem de fugir da luta. Com um esforço sobrenatural, abriu os olhos, levantou-se com dificuldade, sentindo enjôo e ânsia de vômito e se dirigiu para a porta que dava acesso à pequena varanda que era para ele a janela do mundo.
Antes de abrir a pesada porta trabalhada a mão com seus pequenos detalhes e pintada de amarelo ouro, ouviu os brasileiros nativos em grupo cantando hinos como se estivessem ganhando a guerra:
“Olinda /quero cantar /a ti / esta canção/ teus coqueirais/ o teu Sol / o teu mar / faz vibrar meu coração / de amor / a sonhar / minha Olinda sem igual / salve o teu carnaval ...”
Roberto abriu a porta e se pôs na varanda, pouco mais de três metros acima da maior folia espontânea de rua: o carnaval de Olinda.
Enquanto sua cabeça lentamente caminhava para a realidade depois de dois dias sem descanso, de muita bebida e muita folia, fugindo do pesadelo de quatrocentos anos atrás, ele podia ver e ouvir, dos dois lados da rua, imagens e sons como uma colcha de retalhos:
Blocos de maracatus, frevos, caboclinhos, maracatus rural, afoxés, mascarados, bonecos, etc, arrastando multidões e trazendo seus nomes tradicionais nos seus estandartes, tais como:
Vassourinhas, Elefante, Estrela Brilhante, Piabas, Homem da Meia Noite, Mulher do Dia, Menino da Tarde, Barba Papa, Segura a Coisa, Guarda Noturno, Maluco Beleza, A Corda e outra centena de blocos populares.
Roberto finalmente acordou, ajeitou sua fantasia de soldado português do século XVI, correu para Sueli, que estava vestida de Maria Bonita e levantou-a de forma brusca, arrastando-a pelo braço. Desceu a escada de dois em dois degraus e ganhou a rua com sua espada de plástico na mão, para não perder o ultimo dia de batalha...
Batalha de confete e serpentina do carnaval olindense, mesmo sabendo que ainda teria a quarta-feira com o Bacalhau do Batata e outros.
Quarta-Feira de cinzas?
Só mesmo no tempo dos holandeses!

Thursday, December 29, 2005

Amada / Amante

Conheci-te ainda pequeno, muito pequeno. Do colo da minha mãe, tu parecias grande, bonita. Banhas-te no rio e no mar com tua nudez inocente e curvas provocantes; brilhante ao Sol e aconchegante na chuva;
Ora estranha, mas muito agradável. Cresci e fiquei adolescente e meu relacionamento contigo ficava a cada momento mais amoroso. Agora, sem pequenez, sem decência, sem vergonha e sem pudor.
Com muito atrevimento, com muita liberdade, sem medo de ser feliz, como dizem os vermelhos. Naquela ocasião te curtia de manhã, de tarde, de noite e até de madrugada. Possuía-te abusadamente como se fosse o único dono e entregava-me a ti de corpo e alma.
Tenho ciúme do teu passado e do teu futuro. Aliás, eu quero que sejas a última a tocar meu corpo após a morte. Um dia deixei a vida me levar e fui entregue nos braços de outra maravilhosamente bonita. Todo dia ela me seduzia e me conquistava com seu charme, sua beleza e seus encantos e tudo fazia para que eu te esquecesse.
No começo foi sofrível e com o passar dos anos tu te tornastes uma pequena e boa lembrança. Um dia a vida me levou novamente, agora de volta para teu seio. No início me senti estranho, mas tu me trataste tão bem que me senti amado de novo.
Estás muito diferente, mais jovem, mais bonita, muito atraente. Fantasio-me de Romeu para passar o carnaval contigo; visto-me de matuto para passar as festas juninas contigo; embriago-me com tua emoção nas festas natalinas e me sinto enciumado quando te vejo ser amada por muito mais gente.
Agora estou feliz com minha vida dupla: parte do ano estou com minha amada e a outra parte, com minha amante.
Daqui da querida Cidade do Rio de Janeiro eu grito bem alto:
Eu amo Recife!

Nova Iguaçu,

Velha Paixão

Nascida no século XVII e antes de possuir o nome de Maxambomba e posteriormente Iguassu, Nova Iguaçu foi palco de muitas batalhas entre conquistadores portugueses, índios e invasores franceses.
Caminho obrigatório para viagem terrestre a São Paulo, suas estradas feitas de pedras e terra batida e margeadas pela floresta Atlântica, campos, alagados, rios e riachos de águas transparentes e fartas espécies aquáticas, foram testemunhas de viajantes mascates no exercício do comércio e nobres da realeza, para exercício dos cargos que ostentavam e até para seus encontros amorosos entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Também por elas transitaram a caminho das minas gerais, exploradores e comerciantes de ouro e pedras preciosas, que foram deixando vilas, engenhos e Igrejas, algumas ainda existentes.
Suas terras se derramavam entre a Baía de Guanabara e as serras de Gericinó e mesmo perdendo espaço com a criação de novos municípios no século XIX, se impôs com grandes plantações, principalmente de laranjas, quando se tornou exportadora da fruta.
Sua localização geográfica a 30 km da cidade do Rio de Janeiro trouxe-lhe progresso rápido, população crescente e riqueza na economia pública, como também problemas sociais elevados, classificação de cidade dormitório e perda parcial de sua identificação de comunidade emancipada.
Tem pavilhão, hino, história e o Parque Nacional do Tinguá, mas infelizmente poucos iguaçuanos os conhecem e seu nome é exaustivamente substituído por Baixada Fluminense ou Grande Rio.
Berço de políticos importantes no Estado do Rio de Janeiro, que pouco fizeram para sua grandeza econômica, social, cultural, educacional e turística, deixando escapar de um município, que já foi o sétimo em população no Brasil, a oportunidade de ser reconhecido, dentro e fora dos limites nacionais.
Nova Iguaçu tem hoje sua base econômica plantada num razoável número de indústrias. Parcialmente circunscrita por serra, oferece ao empreendedor público ou privado a criação de um Parque Nacional com base turística composto por hotel, cinema, restaurante, moderno parque de diversão, servido por estrada asfaltada e de ferro, subindo as terras altas, proporcionando aos visitantes uma vista esplendorosa da cidade e da capital a distancia, observando o que a natureza já há milhões de anos passados, forneceu, como a floresta, fauna, flora, rios, cachoeira, lago e até um extinto vulcão.
O acesso à Nova Iguaçu é um dos melhores de todo o Brasil, já que o município é cortado pela Rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio a São Paulo e é uma das mais importantes do continente e pela Estrada de Ferro Central do Brasil que segue do Rio para São Paulo, Minas Gerais e Sul do Brasil, portanto com garantido retorno financeiro.
Um trabalho cultural divulgando sua história dirigido à sua população e rede escolar, despertará nos munícipes naturais e nos gentilmente adotados o antigo orgulho e devolverá à Nova Iguaçu, A Velha Paixão.

PERENE

Era noite e estava muito frio. A lua alta no céu iluminava o campo até a encosta longínqua daquela pequena montanha ao sul.
Apesar de sua beleza, o luar revelava a silhueta de um homem sentado numa pedra, cabisbaixo com uma das mãos apoiando o rosto e a outra a segurar o cajado.
Seus olhos negros e tristes, contemplavam aquele fim de pasto ralo e queimado que anunciava fome e fraqueza para seu rebanho de ovelhas que numerava dúzia e meia, quando já se somou quatro dúzias.
Sua pele morena e enrugada pelo sol forte da região trazia idade superior a que realmente tinha aquele homem rústico e sofrido, mas ainda jovem aos quarenta anos.
O desespero era, naquela noite, além daquelas ovelhas doentes e de lã sem valor cambial, sua única companhia, que o obrigava a pensar em sua esposa e cinco filhos que passavam necessidades e lutavam contra enfermidades trazidas pela falta de água e comida.
O socorro de vizinhos e parentes era impossível em virtude das distâncias e a vulnerabilidade de todos ao holocausto trazido pela natureza àquela região agrícola e pecuarista.
Ele estava envolto naqueles nefastos pensamentos quando notou que a noite ficara mais clara como se o céu tivesse ganhado de presente uma segunda lua cheia.
Olhou para o infinito e viu que na realidade surgiu uma grande e brilhante estrela seguindo uma trajetória óptica que indicava atrás da pequena montanha seu ponto de encontro com a Terra.
Um arrepio fez tremer aquele alto e magro corpo que com agilidade se pôs de pé e pensou em caminhar em direção daquele ponto ilusório.
Ele conhecia bem a região e sabia que uma caminhada noturna era perigosa, sujeita a acidentes com cobras, escorpiões e quedas provocadas por pedras ou buracos, além de cansativa.
Ajeitou mais uma vez seu turbante, apertou as amarras de suas velhas sandálias de couro, ajustou a tira de pano que dividia na cintura aquele roupão comumente usado pelos habitantes do lugar, segurou firme o cajado com a mão direita, respirou fundo e começou aquela caminhada, empurrado por um sentimento que não entendia, em busca do desconhecido que ele previu, mas em momento nenhum acreditou.
Após uma hora e meia de peregrinação alcançou o ponto mais alto daquela colina que de vegetação baixa, lua alta e luminosidade extra daquela estranha estrela, dava vista, ainda distante, de uma pequena propriedade rural de seu vizinho mais próximo.
Retomou a caminhada, agora ajudado pela descida e a cada passo dado naquela direção seu coração era tomado de um entusiasmo inexplicável, havendo momentos em que se surpreendia quase correndo e tropeçando por absoluta falta de cuidados, não indo ao chão graças à habilidade com que manejava o cajado.
Mais uma hora se passou e finalmente ei-lo tremulo perante um pequeno e modesto estábulo, piso de terra, erguido de madeira não trabalhada, coberto de palhas secas de palmeiras típicas regionais.
Entre alguns animais de criação, destacavam-se três camelos que possuíam celas, adornos e rédeas trabalhados artisticamente com enfeites de minerais preciosos que denunciavam o egrégio poder de seus proprietários e um pequeno e modesto jumento, no pelo, que demonstrava exaustão por trabalho pesado ou viagem longa.
Mais uma vez o pastor peregrino olhou para o céu e agora passou a acreditar que era aquele o lugar indicado pela estrela que com uma calda majestosa apontava claramente para o estábulo que, do seu interior emanava uma tênue luz de lamparina e um breve sussurro de recém-nascido.
Passo a passo, aproximou-se lentamente para não fazer ruído e denunciar sua presença antes de descobrir o que estava ocorrendo naquele lugar.
Meia porta, da altura do peito para baixo, fechava o estábulo e ele teve visão completa do seu interior onde quatro homens, duas ovelhas, um bezerro um galo, algumas galinhas e uma vaca circundavam, deitada no feno, uma mulher convalescente e, dentro da manjedoura revestida de feno, um Recém-nascido. Com exceção dos animais, todos estrangeiros naquela região de Belém; três, dos quatro homens, elegantemente vestidos, portando jóias e adereços de vestimentas eram facilmente identificados como os proprietários dos robustos camelos lá fora; o quarto homem e a mulher estavam modestamente vestidos para uma jornada; na face dele aparecia um misto de preocupação e felicidade paterna; na dela, o cansaço físico e o brilho da alma da parturiente.
O ambiente era pobre e inadequado para aquele evento; o clima emocional era de paz contagiante e ele ficou plantado, de pé, na porta do estábulo por mais de uma hora e não queria entrar por não conhecer ninguém e por não ter levado nenhum presente de boas vindas para o Bebê.
Se sua presença foi notada, ele não percebeu, a não ser por um breve momento quando a Criança abriu um pouco os olhos, olhou em sua direção, quase sorriu, bocejou e novamente adormeceu.
Ele foi tomado por uma alegria estranha, seu coração palpitou e foi interrompido pelo galo que fez anunciar o dia que se aproximava; ele precisava ir embora cuidar de suas frágeis ovelhas ou o que restavam delas. Antes de partir, lembrou que o único bem que tinha naquele momento era o velho cajado de madeira nobre da região do Nilo, que lhe foi presenteado por seu querido pai antes de sua morte e que até aquele instante, nunca havia se separado dele.
Com carinho passou a mão por cima do nome de seu pai gravado a fogo no meio do cajado e o deixou encostado à porta e seguiu seu caminho de volta.
Em cima do morro, olhou para o céu e viu a estrela lentamente desaparecendo, dando lugar à luz maior, a luz solar; a sua calda se desfazia e caía em pequeninos pontos cintilantes que ao aproximar-se do solo se transformava em gotas de orvalho, molhando suavemente a relva ou o que restava dela.
O pastor ficou entusiasmado, pois não chovia, mesmo um pouco, a quatro estações. Quando a luz se completou na sua propriedade, ele se espantou com tanta surpresa.
A relva lentamente crescera e o amarelo queimado dava lugar ao verde esperança. Tanta felicidade não cabia dentro de si e ele se pôs de joelhos louvando em brados a Deus.
Correu para dentro de sua casa contando o ocorrido, aos soluços, à sua família e de imediato levou à suas anotações o dia do acontecimento milagroso.
Belém, 25 de Dezembro de um ano qualquer de seu calendário. Ele só não sabia que aquele foi o Primeiro Dia da Era Cristã.
Perene.

Milagre da Páscoa

O desespero era notório na face de Harim. As feridas que surgiam no corpo de Hadassa vinham confirmar as suspeitas de lepra que atingiu sua esposa. Agora só resta enxugar as lágrimas, afastar seus filhos Úri, de 8 anos, Ofir de 5 e Vasti, uma menina de 3 anos e manter sua mulher reclusa em casa para que seus vizinhos não a expulsem em direção ao campo dos leprosos, para sempre.
Sua memória o levou de volta a nove anos atrás, quando aconteceram as grandes festas de Páscoa em Jerusalém. Foi num domingo, a caminho do Templo, que ele conheceu Hadassa em suas lindas vestes que deixavam transparecer, apenas as suaves mãos e seu lindo rosto jovem de 17 anos. De tudo fez para ficar próximo, sem chamar a atenção de sua família, provavelmente pai, mãe e um casal de irmãos menores, que a acompanhavam.
No fim da cerimônia religiosa, na saída do Templo, os pais e irmãos daquela linda mulher se detiveram para saudar uma pessoa amiga e a menina, feito moça, afastou-se um pouco mais do grupo.
Harim não perdeu a chance de aproximar-se e, fingindo acidente, esbarrou suavemente na moça e quase em sussurro, pediu-lhes desculpa. Suas faces ficaram frente a frente à pequena distância e seus olhos penetraram-se mutuamente na busca da alma do outro.
“Meu nome é Harim, e o seu?” ... “Hada... Hadassa” respondeu ela após um breve gaguejo. Os pais dela aproximaram-se, sem perceber o “incidente” e ela os seguiu com destino ao lar.
Harim seguiu seu caminho para casa com a alma aos pulos, tentando equilibrar-se para evitar um possível tombo. Na sua cabeça, aquele encontro se repetia como uma queda d’água: sem parar.
O diálogo de cinco segundos parecia cinco séculos de história. Ele já sabia tudo sobre ela: que suas mãos eram lindas; que, sua face era angelical; que seus olhos tinham o azul do céu, a profundeza do mar e o domínio do amor; e que sua voz tinha o som dos sete sinos da felicidade. Ah! Sabia também que seu nome é Hadassa e tornou-se o nome mais bonito que ele já ouvira.
Harim estava em Jerusalém há poucos meses, mudou-se com a família em busca de vida melhor. Seu pai era comerciante ambulante em Jericó, próximo às margens do rio Jordão, e ele, por vontade própria, aprendera a arte de olaria e cerâmica.
Conhecia poucas pessoas em Jerusalém e percebeu que Hadassa e sua família eram pessoas conhecidas e respeitadas no lugar. Foi fácil chegar até sua casa e após sua apresentação e demonstração de suas intenções conquistou rapidamente a família de Hadassa.
O coração da moça já pertencia ao rapaz há mais de mil anos, apesar dele ter apenas vinte e era assim que ele sentia. O noivado e o casamento transcorreram em dezoito meses e, daí em diante, tiveram uma vida conjugal em perfeita harmonia e felicidade, como era esperado, e frutificaram desta união três lindos filhos ao longo dos últimos nove anos.
Agora Hadassa foi colhida por esta catástrofe chamada lepra e Harim nada podia fazer, senão pedir a Deus pela salvação de sua amada esposa. A primeira providência que poderia ser adotada seria levar seus filhos para a guarda de seus avós paternos que nesta ocasião estavam morando numa cidade vizinha de Betânia, por quanto os avós maternos estavam em peregrinação em Cafarnaum, na Galiléia, sem saber do grave estado de saúde da filha.
O dia amanheceu no Sábado e Harim fez saber a Hadassa de seus planos para aquele dia. Após o almoço ele seguiria com as crianças para Betânia e ali permaneceria tomando providências para que as crianças tivessem conforto e segurança durante a estadia que poderia ser de meses. Enquanto isso ordenou a Hadassa que permanecesse quieta e dentro de casa para não despertar a curiosidade dos vizinhos quanto ao seu real problema de saúde. Ele estaria de volta à Jerusalém no dia seguinte para encontrar meios de dar conforto à sua esposa até quando fosse possível.
Betânia logo foi alcançada por Harim, Uri, Ofir e Vasti, mesmo viajando a pé, porque dista mais ou menos 3 quilômetros de Jerusalém. Os pais de Harim receberam a notícia da enfermidade de Hadassa, sua nora, com muito pesar e aconselharam seu filho a procurar o Nazareno, um homem chamado Jesus e que diziam maravilhas dele e falavam de muitas curas, inclusive de cegos, aleijados e leprosos e até que ressuscitou um homem chamado Lázaro, quatro dias após sua morte; e houve rumores recentes que ele encontrava-se pregando a palavra de Deus, de quem se dizia filho, naquela região.
Esta notícia alegrou Harim que prometeu procurar Jesus no dia seguinte antes de partir para Jerusalém.
A noite se fez e a madrugada a seguiu, trazendo consigo os primeiros raios de luz do domingo que cuja manhã foi a mais tenebrosa na vida de Hadassa, pois ela foi alcançada por uma terrível febre que a fez delirar e gemer alto, chamando a atenção dos vizinhos que correram em seu socorro.
A ajuda não foi prestada visto que logo as pessoas perceberam o mal que Hadassa abrigava e tinham medo de aproximarem-se lhe servindo apenas um chá de ervas para baixar a febre e logo que viu-se melhoras nela, a convidaram para seguir rumo ao campo leprosário que ficava fora da cidade. Hadassa, sozinha, desesperada e chorando, seguiu pela cidade bradando: “Impuro!”, “Impuro!”, “Impuro!”, para que as pessoas abrissem caminho e não a tocasse, para evitar o contágio. Assim determinava a lei de Deus.
Ao mesmo tempo, quando amanheceu em Betânia, Harim tomou as últimas providências quanto ás crianças e ganhou o mundo para se informar do paradeiro de Jesus. Não foi longe. O primeiro cidadão abordado por Harim informou, com entusiasmo, que quem ele procurava encontrava-se naquele momento em Betânia, mais precisamente na casa de Simão, antes vindo da casa de Lázaro. De posse das informações necessárias, Harim chegou à casa de Simão, sendo ali informado que Jesus já partira, na direção de Betfagé.
Harim não ficou decepcionado visto que Betfagé ficava no caminho para Jerusalém, que também era seu destino. Ao começar a caminhada, encontrou um grupo de pessoas que também seguia para Jerusalém para ver Jesus e participar das festas da páscoa que se aproximavam, quando ficou sabendo das maravilhas que Jesus vinha praticando e ensinando em nome de Deus. Ficou sabendo que Simão era um ex-leproso, provavelmente curado por Jesus e Lázaro tinha sido por ele ressuscitado. Sua esperança de cura para Hadassa tornou-se agora muito grande na pessoa de Jesus e Harim vivia uma ansiedade incalculável.
Ao chegar em Betfagé sua ansiedade não foi saciada, pelo contrário, aumentou, após a informação que o Senhor, como era também conhecido Jesus, havia tomado emprestado uma jumenta e um jumentinho, no qual partira para Jerusalém.
Enquanto isso, Hadassa atravessava Jerusalém, cambaleando, desesperada, agora quase sem voz pronunciando a palavra “impuro” e as pessoas agitadas e apressadas carregando em suas mãos galhos de árvores, notadamente folhas das palmeiras típicas da região, nem percebiam aquela mulher angustiada.
Todos se aglomeravam na entrada da cidade, por onde Hadassa tinha que passar em busca do campo destinado aos leprosos.
De repente surge aquele homem sereno, que dominava a todos apenas com sua presença, cavalgando um jumentinho, nunca antes montado, sendo saudado por todos que aos gritos de “Jesus”, “Cristo”, “Nazareno”, “Senhor”, “Messias”, “Profeta”, “Bendito Rei que vem em nome do Senhor”.
Muitos tentavam tocá-lo, outros jogavam no chão à sua frente as palmas que traziam nas mãos ou mesmo seus mantos ou vestes disponíveis para que Jesus passasse sobre eles.
Hadassa não tinha mais força para prosseguir. A multidão que acompanhava Jesus crescia cada vez mais e corria em sua direção e foram inevitáveis os esbarrões jogando ao chão a mulher moribunda. A poeira subiu com o vento e a terra atingiu suas feridas, passando por suas vestes rasgadas.
Hadassa ainda estava no chão, quando Jesus passou por ela e por cinco segundos olhou para dentro de seus olhos sem nada dizer, mas demonstrando muita compaixão e seguiu seu destino para cumprir sua divina missão.
Na cabeça de Hadassa, aqueles cinco segundos duraram cinco séculos. Ela viu a reprodução de sua vida desde criança; o olhar penetrante e cheio de amor de Harim, quando de seu primeiro encontro; o nascimento de seus três filhos, um a um; o amor dedicado por seus pais; enfim, os nove últimos anos de felicidade completa.
Ela estava sentada no chão envolvida nesses pensamentos, quando uma voz conhecida pronunciou alto o seu nome. Ela abraçou Harim chorando muito e ele ofegante lhe fazia muitas perguntas sem esperar respostas.
Harim ajudou a hadassa a levantar-se e finalmente ela narrou, em breve relatório, o que aconteceu naquelas últimas horas.
“Então você esteve com Jesus?” Perguntou ele. “Não. Jesus apenas olhou para mim por um momento, mas algo estranho aconteceu, porque o desespero em que eu estava tomada se foi e com ele meus temores, minhas aflições, a ansiedade e até a febre não a sinto mais”.Respondeu ela.
Harim, olhando-a fixamente, perguntou: “E o que você fez com as suas feridas?” “Estão cobertas com terra e poeira, por isso as pessoas não fugiram de mim”. respondeu ela.
Harim tirou seu turbante e com ele umedecido com seu próprio suor passou-o fortemente na face de Hadassa retirando a poeira e terra que a cobria.
Ele ficou paralisado com o que viu. Hadassa exigiu satisfação, e ele disse, quase gritando: “Você está limpa”. “Você está pura”.
Hadassa entendendo o milagre que aconteceu, chamou Harim para que eles seguissem Jesus para agradecê-lo e mostrar a todos o que Ele fez por ela e também para chegar-se mais a Deus, de quem ambos estavam de certa forma afastados nos últimos anos.Nada pediram a Deus, mas esqueceram de agradecer cada dia de felicidade recebido.

O Cajado

Jerusalém estava mais agitada que nunca. Seu comércio sempre foi muito importante para aquela região e além disso seu calendário religioso trazia, periodicamente, uma multidão de peregrinos que chegavam para as festas ou cumprir com suas obrigações divinas.
Para qualquer estrangeiro, a cidade oferecia muitas novidades no comércio, no comportamento e na política, visto que a comunidade vivia sob o julgo do Império Romano.
Ali se encontravam cidadãos de toda a sociedade, grupos de várias áreas do comércio, políticos, religiosos e até conspiradores que sonhavam em se livrar da opressão romana e, em conseqüência, dos altos impostos e tributos cobrados por César.
Jeremias, próspero criador, proprietário de bens imóveis e comerciante de sucesso, acabara de chegar à cidade e procurou hospedagem para um bom banho e um pouco de descanso, antes de começar seu trabalho e cumprir suas obrigações de cidadão e temente a Deus.
Primeiro foi ao mercado local onde, nas redondezas, acomodou seus dez servos e quinze camelos que compunham a caravana que ele liderava, trazendo para os mascates locais, dentre outros produtos, vestimentas e tapetes de lã de boa qualidade, queijo e carne ovelhuns conservados no sal.
A viagem durou alguns dias e foi cansativa para ele, seus serventes e animais e alcançou a cidade no fim da tarde e depois de acomodado e alimentado, Jeremias dormiu profundamente.
Na manhã seguinte, durante o desjejuar, manteve os primeiros contatos com os outros hóspedes para colher as informações de seus interesses, quando ouviu pessoas comentando sobre um Judeu que Pilatos ordenara prender, acusado de heresia e incitação do povo contra o Império Romano, cuja pena é executada pelo cruel ritual da crucificação.
Passou a manhã com seus criados, incumbido de seus afazeres e no começo da tarde foi ao Templo fazer suas ofertas a Deus e pagar dízimos seus e de sua família.
O movimento era grande e o assunto era único: a possível crucificação que começaria a qualquer momento. A curiosidade por aquele acontecimento foi crescente desde que lhe chegou aos ouvidos.
Havia três anos que, pela primeira vez, alguém lhe falou, em algum lugar de suas andanças, que um Judeu pregava paz, amor, e vida eterna, fazendo milagres por toda a Galiléia, se dizendo filho de Deus.
Também chegou ao seu conhecimento que esse Homem que se denominava Cristo, o Messias, era apenas um agitador que lutava contra o domínio de Roma.
Os rumores contra e a favor cresceram no último ano, despertando a curiosidade de Jeremias que agora tinha a oportunidade de saciá-la.
Juntou-se a um grupo de peregrinos e seguiu em direção a praça que defrontava um dos Palácios do Governo local; no caminho obteve mais informações sobre a vida de Jesus e indagou o porque de tanta violência; se Jesus mentia quanto à filiação paterna e se era de fato um revolucionário que combatia Roma sem armas e sem insultos, a pena era, sem dúvidas, um elevado padecimento.
Ao chegar à cena do infausto julgamento, viu Pilatos lavar as mãos e entregar Jesus aos seus algozes, que já haviam começado o flagelo à sua vítima.
Jeremias era um homem de muito trabalho, de muita ocupação e nunca se dispôs a assistir cenas públicas que envolvessem multidão; por isso estava surpreso consigo mesmo, pelo interesse de acompanhar aquele nefasto desfile até o Calvário.
A multidão postada de ambos os lados das ruas estreitas e que depois seguiam aquele martírio deixava Jeremias cada vez mais longe de Jesus;
Jeremias resolveu seguir uma rua sem movimento que o levou antecipadamente à elevação onde aconteceria o sacrifício final. Do elevado, Jeremias via ao longe a procissão que seguia Jesus e Sua cruz, Suas quedas, gente que tentava ajudar, como uma mulher que Lhe enxuga a face e um homem que tenta Lhe dar água e outro que O ajuda a levantar a cruz, como também aqueles que O ofendiam e cada vez mais que o cortejo se aproximava, mais Jeremias se sentia angustiado, sofrido, temeroso, amargurado, como se o Judeu fosse um ente querido.
O Homem chegou com Sua cruz e teve Sua última queda e antes de levantar-Se pela última vez, virou o rosto e olhou em direção a Jeremias.
Aquela fisionomia parecia conhecida, apesar do sangue que banhava Seu rosto, mas os olhos e aquele quase sorriso fizeram Jeremias tremer e cair.
A multidão cada vez mais empurrava e os soldados romanos cada vez mais brutos, empurravam as pessoas pra trás.
Jeremias afastou-se e procurou respirar fundo para restabelecer seu bem estar, coisa que pouco lhe aconteceu, apesar dos seus quase setenta e três anos de idade.
A respiração voltava ao normal, mas sua cabeça insistia em viajar para trinta e três anos atrás quando uma Criança, uma estrela brilhante e Deus, resolveram atravessar juntos, um dia de sua vida e que trouxeram felicidade e prosperidade para ele, sua família e estendal à sua região.
Nunca mais ele teve notícias daquelas pessoas que participaram daquele nascimento, mas aqueles olhos, aquele quase sorriso e aquelas palpitações que fizeram seu coração pular dentro do peito naquela ocasião, repetiam-se igualmente agora lhe dando a certeza da identificação daquÊle Homem que, nesse momento, apesar da agonia de estar pregado na cruz, parecia sereno ao falar algo para alguém imaginário a quem chamava de Pai.
Sua morte veio precedida de muito sofrimento e seguida de uma escuridão repentina apesar do meio-dia, chuva forte, raios e trovoadas que afugentaram as pessoas presentes.
Jeremias voltou trôpego para a hospedaria e procurou com os hospedeiros, informações de onde morava a família de Jesus; foi informado apenas onde Ele se reuniu com seus pares antes de ir preso, e então, Jeremias seguiu para o endereço fornecido.
Em lá chegando, deparou com um prédio abandonado, a porta principal da residência entreaberta, louças provavelmente da janta, ainda sobre a mesa; duas lamparinas se esforçavam para lançar seus últimos raios de luz através de duas exíguas chamas, uma em cada lado da grande mesa, presas às paredes. O quadro que se apresentava denunciava emergência por parte daqueles que ocupavam o imóvel, em face de grave ocorrência.
Seus olhos negros e tristes deslizavam lentamente por aquele cenáculo e ele tentava rever os acontecimentos que culminaram com a prisão de Jesus.
Algo familiar lhe chamou a atenção e o fez pular em direção a um cajado, semelhante a qualquer outro, que se encontrava num canto da sala.
Pegou aquele bordão com carinho, levou-o até a lamparina mais próxima, leu o nome escrito a fogo bem ao meio: Bessil.
Era o nome de seu pai.

Ecos do Brasil 500 Anos

A Estória Como Não Foi Contada

Narrador:
Após reunir-se com o nobre Pedro Alves Cabral e o jornalista Pero Vaz de Caminha, o Rei de Portugal determinou que Cabral formasse uma esquadra e rumasse para terras desconhecidas e em lá chegando descobrisse o Brasil e o explorasse para o bem do povo lusitano.

Cabral:
“Caminha, como haveremos de formar a tripulação da minha esquadra? Ninguém vai querer embarcar nessa canoa furada!”.

Caminha:
“Usaremos os argumentos de sempre: diremos das grandes fortunas que estão à nossa espera e que serão divididas irmamente entre a Coroa e nós descobridores; que, as embarcações são seguras como o Titanic e o serviço de bordo equivalente ao das Cantareiras; e, em último caso vamos pegar pelas orelhas aqueles vagabundos de cais de porto, bêbados e delinqüentes condenados que estão apodrecendo nos calabouços”.

Narrador:
A maioria dos tripulantes gentilmente convidados foi posta a ferro nos porões das naves e finalmente deu-se a partida para a grande aventura. Meses depois...

Cabral:
“Oh! Caminha, você está me dando nos nervos! O dia todo, todos os dias, andando daqui pra lá e de lá pra cá, com estas anotações, tomando conta da vida de todo mundo! Um verdadeiro fofoqueiro real, chega!”

Caminha:
“Você está na minha lista, Cabral!” “Por sua causa já perdemos uma dúzia de homens. Te pedi para instalar sanitários a bordo no porão. Os pobres coitados ao fazer suas necessidades dependurados nas bordas do navio foram lambidos pelas ondas ou por tubarões famintos”.

Narrador:
Ao chegar na praia de Cabrália, a comitiva teve uma recepção bem brasileira. Quer dizer, foi uma zorra total. O serviço de Alfândega não funcionou, estavam em greve ou era ponto facultativo. Não sei, porque não tinha ninguém que soubesse me informar. As autoridades estavam descansando do carnaval baiano.

Cabral:
“Chegou a hora da tarefa árdua de nossa missão, Caminha! Temos que colonizar esta grande terra e preciso de sua ajuda para dividir o pessoal. Aqui na Bahia a gente deixa aqueles que vieram dormindo o tempo todo. Os que estavam a ferro no porão farão brilhantes carreiras nos prédios públicos em Brasília”.

Caminha:
“Deixe comigo o pessoal que veio cantando, batucando e tomando cachaça. Vou levá-los para o Rio de janeiro e aqueles que vieram remando sem parar e sem reclamar já estão embarcando para São Paulo. Os diabéticos seguirão viagem para o nordeste, porque não comerão a cana-de-açúcar e com o lucro certo faremos riqueza na Capitania de Pernambuco”.

Narrador:
Os demais tripulantes das caravelas se espalharam pelo Brasil e com as mulheres índias e escravas fizeram a base da população brasileira. Cabral antes de voltar para além mar decretou vários nomes para nossa terra, mas como lei aqui não é cumprida, resolveram chamar de Brasil, porque segundo Roberto Carlos “é uma brasa, mora”!
Caminha ficou no Brasil, viveu com 30 mulheres e arranjou uma centena de filhos. Muito se arrependeu porque teve que sustentar e aturar 30 sogras e empregar nas repartições públicas uma centena de cunhados, inaugurando o Nepotismo.

A Mulher É A Glória

Deus fez de barro o homem à sua imagem e em seguida deu-lhe o sopro da vida. Posteriormente fez de uma costela do homem, a mulher. A partir daí, a história da humanidade escreveu para a mulher um papel secundário, tendo como seu escritor o homem.
Ao iniciarmos a leitura da Bíblia Sagrada, encontramos a genealogia de José, Pai de Jesus, numa contagem regressiva até Adão. Pouco se sabe da família de Maria, mãe de Jesus.
No oriente, um homem pode casar-se com mais de uma mulher e até com quantas possa financeiramente sustentar; anda nas ruas por elas acompanhado, mas sempre em sua retaguarda; obrigatoriamente ela anda com a cabeça e até a face coberta, tendo algumas o costume de cobrir todo o corpo, olhando para frente através de um véu que não deixa transparecer seu rosto; ela é secular, religiosa e culturalmente preparada para conceber este costume como o correto.
No ocidente foi educada para obedecer ao pai e posteriormente ao marido; no leste europeu, o pai da noiva costuma presentear seu genro com um chicote que deverá ser exposto na parede da sala para lembrar que o homem é o mandatário do lar.
A natureza também deu sua contribuição “discriminando” a mulher: menor estatura e força física; vive mensalmente o desconforto da fertilidade e no ato da procriação ela é possuída e fecundada, sendo sempre passiva na ação; no divórcio foi historicamente discriminada, na infidelidade conjugal é a única punida, sendo no passado apedrejada; por muitos séculos ela foi conquistada; nos tempos modernos, após alguns sucessos na luta por seus direitos, trabalha e exerce profissões, inclusive as consideradas masculinas, quer no desempenho físico ou intelectual, mas seus salários são explicitamente menores.
Hoje divide com o homem a responsabilidade do sustento e do comando da família e da pátria, inclusive empunhando armas. Aceita seu lugar na natureza com dignidade, humildade e respeito e na sociedade luta por igualdade na divisão dos frutos e conquistas da humanidade.
É um ser incansável de luta e perseverança e por isso mesmo ela conseguirá. A mulher é a glória!

O Matrimônio

Judite teve uma infância e adolescência liberada de qualquer norma, compromisso ou responsabilidade, não prestando conta sequer de seus atos aos seus pais.
A única exigência a ela feita foi quanto aos estudos, o que foi bem cumprido, mesmo porque gostava de ir à escola e tinha facilidade de aprendizagem das disciplinas, notadamente naquelas ministradas por professor.
Praticou muitas peraltices e traquinagens, tomando boa parte do espaço destinado à “comportamento” do seu boletim, porém sem trazer danos para si ou para outrem. A presença de sua mãe e às vezes de seu pai perante a direção da escola era acontecimento banal. Os castigos e punições normalmente aconteciam, mas as bagunças permaneciam.
Judite cresceu nessa atmosfera de acontecimentos. Era seu mundo. Trocava de namorado semanalmente, como político troca de partido, sem dar satisfação a ninguém, até conhecer Marinho, moço simpático, participante, que logo no início do primeiro período universitário destacou-se na equipe de natação e no coração da serelepe Judite.
Do “muito prazer” da apresentação, passando de passagem pela “paquera” e rapidamente pelo “selinho”, o casal chegou como um raio ao “contacto imediato do 3° grau”, sem cuidados ou precauções, causando, pela primeira vez, conseqüências definitivas em forma de gravidez.
A notícia da fecundação pegou de surpresa os pais de Judite, que apesar da criação com rédeas soltas, viam na filha maturidade suficiente para evitar um acidente de percurso. Mas logo se recuperaram da má notícia, pois anexo a ela, lá estava a boa nova: eles seriam avós.
Apesar de formar um casal moderno, eles sonhavam para a filha um casamento com vestido branco e longo, véu e grinalda, luvas e buquê, sem esquecer Cartório e Igreja, com bela recepção para os convidados.
A futura vovó materna, após longos anos de sonhos, já tinha tudo planejado e agora, em face de emergência, era só executar.
O futuro vovô materno, detentor de ganho financeiro, digamos satisfatório, já tinha uma verba extra para eventualidade, mesmo profunda, como praticara sua filha.
Marinho, apesar de ainda jovem e estudante, já exercia a profissão de corretor de imóveis juntamente com seu pai e levava folgada vida financeira.
Todos queriam o casamento e se programaram para as bodas, mas foram detidos por uma situação muito peculiar: a noiva não queria nem falar em casamento, fosse ele religioso ou apenas legal.
Os pais já estavam desesperados em imaginar a barriga da filha crescendo, sem dar satisfação à família, aos vizinhos, aos amigos e aos colegas de trabalho. Após muitos encontros, desencontros, reuniões, desuniões, brigas e discussões, ameaças e choros, Judite concordou com os planos do pai: fazer um casamento fictício, com festa, apenas para dar as devidas satisfações à comunidade.
O grande plano:
O pai de Judite tinha em seu rol de amigos um que conhecia um advogado que já exercera o cargo de Juiz de Paz e era um cara legal e topava tudo.
A mãe de Marinho tinha um primo que conhecia um ex-padre que abandonara o clero para assumir um casamento e que faria o que o pai de Judite queria.
Uma amiga da mãe de Judite, participava de grupo de senhoras que organizavam movimentos pastorais e conseguiu alugar o salão da Igreja em dia que não havia programa religioso.
A execução do plano:
Além da decoração do salão, seria colocada uma mesa extra, coberta com toalha e acessórios próprios de um altar católico, tendo por trás, na parede, uma cruz de madeira com um metro aproximado de altura, onde após cerimônia civil proferida pelo “Juiz de Paz” portando um livro semelhante aos de uso cartorários, se realizaria uma pequena celebração religiosa pelo “pároco” conhecido do primo da mãe de Marinho, quando na oportunidade seria justificada a cerimônia naquele local, em virtude de obras que estariam sendo realizadas no interior da Igreja.
O erro fatal:
No dia da cerimônia, os convidados foram chegando e se acomodando nas mesas e cadeiras distribuídas pelo salão. O bar já se encontrava aberto e ao alcance de todos os presentes. O serviço era de auto-atendimento e estavam à disposição deles: wisky, vodka, vinho, chope e refrigerantes, além salgadinhos em grande variedade e quantidade. Como é natural no Brasil, a cerimônia atrasou hora e meia e quando a noiva chegou foi recebida com apupos, palmas, assobios e gritos além do som que se encontrava ligado, em alto volume, denunciando a quantidade de bebidas alcoólicas já consumidas.
Até colocar-se tudo em ordem para o início daquele acontecimento, outra hora se passou e várias garrafas ficaram vazias, elevando ainda mais o grau de algazarra reinante no ambiente.
Entre os mais exaltados, estavam o ex-Juiz de Paz e o ex-Padre. Algumas picuinhas familiares, entre vizinhos e envolvendo colegas de trabalho, já se encontravam em debates à voz alta. O número de brigões era maior que os pacificadores e foi assim que começou o falso matrimônio.
O Juiz de Paz cambaleou até o altar e com o copo de vinho numa mão, pegou o microfone com a outra e bradou no copo: “Vamos brindar à futura mamãe”! A maioria não entendeu nada, mas foi por pouco tempo, porque o Padre levantou-se e gritou: “Cale a boca idiota. Ninguém sabe que a noiva está grávida”! O Juiz retrucou: “Quando um bebum fala o outro murcha a orelha”! Alguém grita: “É burro, seu besta”!
O besta, quer dizer, o Juiz continuou: “Estamos aqui reunidos para enchermos a cara depois desse casamento fajuto”... O Padre dirigiu-se à mesa e pegou o Juiz com as duas mãos pelo paletó e disse: “Isso era pra dizer depois, na mesa de fofocas, não agora, “seu” asno. Deixe que eu faço o casamen...”
Não terminou a frase porque foi interrompido com o microfone quebrando sua cabeça. Os parentes do padre e do Juiz rolavam em agressões pelo chão do salão enquanto outros brigavam por motivos torpes.
Um ex-policial deu voz de prisão a todos e também entrou no sopapo. Alguém usou uma arma de fogo furando o telhado metálico e os convidados se jogaram no chão enquanto as crianças corriam gritando.
O estampido e a gritaria assustaram a vizinhança que acionaram a polícia e logo estavam todos na delegacia.
De quarentena na DP, apenas ficaram o “Juiz”, que respondia inquérito policial por falsificação e exercício ilegal da profissão por ter sido excluído da OAB há cinco anos; o “Padre”, que gozava de liberdade condicional por cumprir parcialmente pena criminal por pedofilia; o “policial” que fora expulso da PM por envolvimento em roubo e seqüestro e o sujeito que estava armado por ser fugitivo da Penitenciária Estadual e estava de penetra na festa.
No dia seguinte o caso estava nos jornais com fotos cedidas sob tarifas por vizinhos fofoqueiros e depoimentos jocosos dos convidados, tornando tudo num escândalo total. Judite lia o jornal pela terceira vez e disse radiante:
“Eu não teria feito melhor. Que barato”!

Apenas Para Seus Olhos

Ele nasceu numa família pobre brasileira do nível classe média baixíssima onde teve sua infância e adolescência. Na fase adulta fez-se profissional, casou-se e passou a ter sua própria família, vivendo o conforto da classe média. Seu relacionamento com esposa e filhos era praticado dentro de uma normalidade cotidiana comum a maioria das famílias constituídas.
Certo dia conheceu uma mulher bonita, também casada e com filhos, cujo relacionamento conjugal estava abalado e já em fase terminal.
A amizade transformou-se fácil e rapidamente em relacionamento amoroso e o namoro seguiu crescendo como se fosse regado a fermento.
Eles tinham entre si características e gostos comuns, dentre eles o prazer pelos livros e acreditavam em sorte, milagres, esoterismo, ciências espirituais e poder mental.
Thiago, pela primeira vez, tinha um ponto de comparação para examinar sua vida conjugal e finalmente confirmar o que ele já percebia: seu casamento foi um fracasso total. Ele surpreendeu-se quando descobriu que estava se apaixonando por Ângela; aquilo não deveria acontecer assim, porque Thiago sempre levou sua vida de forma séria e honesta e ainda acreditava em seu casamento; poderia investir e se dedicar mais ainda para salvar a unidade familiar e tomou a decisão que julgou ser a melhor para todos, embora dolorosa para ele: encerrou aquela história de amor proibido antes que não houvesse volta.
O tempo passou e não trouxe solução para os problemas de Thiago que além de aumentar as faltas cometidas por sua esposa ainda maltratara profundamente seu corpo, lembrando a ele que a terceira idade bateu em sua porta.
Certa vez, de passagem por um shoping, viu uma senhora que olhava a vitrina de uma loja de roupas feminina e sua imagem lhe trouxe velhas recordações.
Aproximou-se dela e logo a seguir foi tomado por uma grande alegria por reconhecer e ser reconhecido por Ângela e após um apertado abraço a convidou para um suco de fruta na praça de alimentação.
Durante uma conversa de hora e meia, ambos saciaram suas curiosidades mútuas. Ângela teve conhecimento das decepções e insucessos que marcaram esses últimos trinta anos na vida de Thiago e ele soube das desventuras sofridas por ela nas tentativas de mais dois casamentos fracassados; os prós e contras das vidas dos filhos e de netos de ambos; os livros lidos; as desventuras amorosas; as saudades mútuas.
O diálogo só percorria o passado dos verbos e ativou em ambos o clima daquela paixão por eles vivida. Ela deu a dica e ele fez o convite para um encontro mais íntimo. Quem olhasse aquele casal, jamais imaginaria nele um comportamento juvenil, salvo os que viram a dupla adentrar o motel.
Uma vez acomodados, trocaram carinho sincero porque entre eles haviam, de veras, além de uma boa lembrança e sobras de uma paixão, um pouco de pejo pela ação do tempo em seus corpos.
Impulsionados pelas lembranças das ardências de seus corpos nas ações sensuais de outrora, depuseram suas roupas no chão sem observar um cabide solitário e nu posto ao lado do grande espelho direcionado para a cama. De mãos dadas, de pé, em frente ao espelho, cada um observava as imagens de ambos que revelavam a verdade deprimente do atual estado físico do casal.
Sem pronunciarem uma só palavra, olhavam-se nos olhos pelo espelho e pareciam comunicar-se mentalmente por longo tempo.
Todo o ambiente permanecia intacto, imóvel e mudo, salvo a imagem do casal que fora de foco e tortuosa ia lentamente se modificando, como um filme rodado de trás para frente, revelando a forma de seus corpos quando tinham ambos aproximadamente quarenta anos de idade. Amaram-se apaixonadamente e a seguir adormeceram profundamente por duas horas.
Ao acordarem não fizeram nenhum comentário a respeito do acontecido, visto que estavam envergonhados por terem dormido e sonhado, achando que o outro tinha permanecido acordado e decepcionado com o ocorrido, ou melhor, com o que não ocorreu. Só não entenderam porque estavam tão cansados e com marcas, vestígios e a sensação de uma batalha amorosa travada intensamente.
Nunca mais se viram ou se comunicaram, mas aquelas imagens se reproduziam freqüentemente.
Apenas Para Seus Olhos.

Mais Forte Que A Razão

A festa estava linda. A decoração feita sob tema dos dinossauros coube muito bem naquele sítio generosamente arborizado. Havia muitos amigos da velha guarda e outros tantos de relacionamentos recentes.
Os pais da criança aniversariante tiveram bom gosto e dispuseram de uma boa soma de nossa moeda para ter aquele resultado.
Eu estava feliz com meu marido Gelson e o convidado da festa, meu filho Betinho. Deixei Gel, como todos chamam meu marido, com os amigos, porquanto Betinho a muito já havia desaparecido entre dezenas de moleques de cinco a doze anos que predominavam naquela festa.
Procurei o sanitário e fui informada pelo garçom que deveria usar as instalações da piscina do outro lado da bela e grande casa que abrigava os sitiantes. Na saída do toillet feminino, uma figura me gelou os pés e fez meu coração disparar.
Era Wellington, que seguia em direção ao vestiário masculino e parou perante mim. Estava mais bonito, mais forte, o que indicava que continuava malhando aquele belo corpo.
Nós nos conhecemos um pouco mais de seis anos, no mesmo ano em que conheci Gel. Eu e meu marido estávamos em fase de paquera quando surgiu Wellington, que passou também a me cortejar. Aquele acontecimento me deixava orgulhosa, pois era muito bom ter dois pretendentes fazendo a corte.
O Gel, com aquele jeito educado, intelectual e cavalheiro de ser, além de simpático e elegante.
O Wel, como passei a chamá-lo, tinha aquela figura máscula, atlética, bonita e despertava fantasia, do jeitinho que a maioria das garotas gosta.
Os encontros com Gel eram sempre no cinema onde ele me tocava e me beijava com mais ousadia. Ele queria sempre mais, mas obedecia aos limites por mim impostos.
Os encontros com Wel eram em parques poucos freqüentados, onde ele gostava de me beijar de pé junto às árvores, usando de sua força física para impor suas carícias que não conheciam limites. Eu gostava muito daquilo mas não podia ir mais adiante.
Certa vez, em uma festa, nós nos encontramos por acaso. Eles se conheciam e não se gostavam por minha causa; a conversa entre nós estava áspera e eu tentei separá-los porque senti que era exatamente aquilo que Wel queria; ele me jogou ao chão e em seguida agrediu violentamente Gel sem dá-lhe chance de defesa; não atendia meus apelos nem os de ninguém e continuava a bater forte no Gel até seu desfalecimento.
A partir daquele momento passei a odiar Wel e evitá-lo, até meu casamento. Agora ele estava ali de pé em minha frente e me dirigiu a palavra:
“Como é bom te ver novamente, Telma. Você ficou mais bonita com o passar dos anos...” “Posso pegar suas mãos?...” indagou. “Não... Seu cafajeste, canalha, ignorante, perver...” Fui interrompida bruscamente, como era de seu feitio, com um longo beijo. Só após um minuto tentei reação. Ele segurava minhas mãos para trás e me apertava contra seu corpo tentador e eu me contorcia provocando ainda mais seus desejos escusos.
“Estou hospedado aqui no sítio. Meu quarto é o último à direita no corredor. Te espero lá...” Ele me soltou. “Seu cretino...” gritei e saí correndo. Encontrei Gel bebendo com nossos amigos. Fiquei em sua companhia por meia hora, mas minha cabeça continuava no último ato. “Pôxa, até me esqueci. Encontrei algumas amigas do ginásio conversando dentro da casa. Vou lá colocar as fofocas em dia...” disse a Gel e o deixei rindo.
Entrei na casa com o coração na boca. Algumas pessoas ali conversavam e eu fui entrando como se conhecesse o ambiente. O corredor se apresentou e eu o penetrei pé ante pé, com medo de chegar à última porta, mas o desejo era maior e a porta surgiu em minha frente. Abri e entrei. Próximo à janela tinha uma linda e grande cama. Em cima dela estava Wel apenas de sunga.
“Eu sabia que você viria...” disse ele levantando-se. “Eu vim aqui pra, te dizer umas verdades, seu cretino...” falei. “Vai tirar a roupa ou quer que eu tire...?” perguntou. Dei-lhe uma bofetada no rosto. Ele jogou-me na cama e com estupidez, sua melhor característica, me tirou toda a roupa. Daí em diante soltou-se de dentro daquele homem o animal que ele, já a muito, anunciava guardar e durante hora e meia saciou-se do meu corpo, sem dó nem piedade e sequer quis tomar conhecimento dos meus sentimentos. Dos meus desejos ele sabia, pois meu corpo usado e explorado falou alto e minhas palavras trêmulas e indecifráveis denunciavam a rendição desejada.
“Esteja aqui amanhã cedo porque pretendo lhe dar uma ‘surra’ durante todo o dia...” ordenou. “Você jamais me verá novamente, cafajeste...” bradei.
O excesso de cerveja e a roda animada dos amigos não permitiram que Gel percebesse minha ausência. “Querido, amanhã tenho que voltar. Uma das minhas amigas gostou do sítio e resolveu promover aqui seu ‘chá de panela’ e tenho que lhe dar um presente especial, pois não irei a seu casamento, porque será realizado fora do estado...” informei a Gel.
Odeio o Wel, mas o desejo que tenho por ele é Mais Forte Que A Razão.

O Assalto

O apartamento era de classe média baixa, de decoração simples e aconchegante, o casal proprietário jovem, bonito, casado fazia três anos. Ele moreno, cabelo baixo, liso, 1,80m de altura, expressão e atitude sérias, apenas na intimidade conjugal era bastante libertino, não conhecia vergonha nem limites.
Ela também morena, olhos e cabelos negros liso, 1,68m de altura, sorriso fácil e comportamento espontâneo. Teve uma criação controlada e padronizada por seus pais; até conhecer David, seu primeiro e único namorado, sexo era tão somente o que sabia dos livros escolares.
Após as preliminares do namoro, o aquecimento do noivado e finalmente a cerimônia do casamento é que Raquel realmente conheceu o sexo pelas mãos de seu professor e marido.
Justamente David que era exibicionista e agressivo e no início ela temeu por desvios psicológicos do marido; sofria com sua própria inibição, mas com o passar do tempo, aderiu espontaneamente aquele comportamento e deixou-se fantasiar com os devaneios dele.
Muitas vezes, quando fazia amor em motéis, Raquel confessava aos ouvidos de David seu relacionamento com amantes viris, fisicamente fortes, que a pegavam a força pelos cabelos e a obrigava a práticas anormais.
A estória dos amantes imaginários foi de iniciativa dela e que deu certo porque deixou David excitado. Certa vez, ainda no motel, ela saía do banho e David a chamou até a sala de jantar aonde ela chegou completamente despida e ficou frente a frente com o garçom por alguns segundos e voltou correndo para o quarto.
A cena, provocada pelo David, o deixou excitado e Raquel momentaneamente zangada, mas feliz com o desempenho do marido após aquele ato, e, mais uma vez ela embarcou naquela louca fantasia.
Agora eles estavam sentados no sofá de seu apartamento, trajando roupas íntimas e assistindo um filme na TV, quando alguém bate à porta. Raquel olha pelo olho mágico e vê do outro lado uma jovem trajando um macacão curto sob um avental com a inscrição “Flor do Campo” e portando um lindo e grande buquê de flores silvestres.
Ela abriu a porta protegida com a corrente de segurança, mas não foi possível resgatar o presente. Tornou a fechar a porta e livrou-se da corrente, abrindo-a definitivamente. Num gesto rápido e brusco, entraram a jovem portando as flores e mais três homens que estavam fora do alcance de visão do olho mágico.
O que estava armado com uma pistola era alto, magro e parecia comandar os demais: “Clarinha, olhe nas gavetas do quarto...” “Pé de Mesa, reviste os móveis da sala...” “Batuta, amarre as mãos do cara na grade da cama com as gravatas...”
Caminhou na direção de Raquel, pegou-a pelos cabelos e perguntou: “Onde estão o dinheiro e as jóias?...” Raquel nervosa e trêmula disse que o dinheiro que tinha em seu poder era um pouco mais de trezentos reais e as jóias eram dez ou doze peças de bijuterias.
“Chefinho, o que eu encontrei foi isso...” disse Clarinha chegando do quarto com o dinheiro e as peças nas mãos. “Ora bolas...” gritou Chefinho. “Tanto risco e perda de tempo por essa mixaria... Vamos embora!...” “Chefinho, acho melhor dá um tempo pra o movimento lá fora diminuir e a gente sair numa boa...’ disse Batuta, se referindo ao trânsito dos moradores do prédio. ‘Tem razão...” falou Clarinha, acrescentando: “Enquanto isso Chefinho, deixe diverti-me com aquele gato amarrado lá no quarto. Ele é meu tipo favorito...”
Chefinho fez sinal positivo e levou todos para o quarto, alegando que gostaria de ver Clarinha se divertindo.
O quarto ficou pequeno para seis pessoas, mas as cenas a se seguir seriam de ruborizar até freqüentador das festinhas de Calígula.
Clarinha revelou toda a sua beleza ao, sem cerimônia, despir-se. Mulher de rosto e corpo bonitos e pele branca como sugere seu nome, provocou o pobre David de toda a forma. “Não é justo que apenas dois se divirtam nesta casa...” disse Chefinho já tirando a roupa e sendo seguido pelos demais.
A nudez de Pé de Mesa e Batuta revelou a origem de seus apelidos. Após abusarem de toda a forma e jeito do casal hospedeiro, os meliantes partiram. Raquel soltou seu marido das amarras e implorou que ele não os seguisse e nem fosse a Delegacia de Polícia, para evitar possíveis vexames, já que o prejuízo financeiro era irrelevante e os dissabores morais seriam com o tempo apagados.
Uma hora depois, David, alegando que ia comprar cigarros, trocou as roupas e foi para a rua. Ao chegar no Bar a três quarteirões de seu prédio, viu seus algozes sentados tomando cerveja.Aproximou-se e foi saudado pela quadrilha: “Gostou do serviço?...” indagou Chefinho, sorrindo. “De primeira qualidade. Acho que até Raquel gostou...” respondeu David, acrescentando: “Afiem os instrumentos que, na próxima semana, eu e Raquel vamos precisar de outrO Assalto”.

Surpresa Rural

Merilú... Merilú... Merilú... Gritava Zé Maria com as mãos a boca em forma de concha, olhando de um lado para outro, caminhando em volta da pequena casa onde vivia no Sítio da Tranqüilidade, nome por ele dado aquela propriedade de metragem generosa.
Homem grosseiro em seu aspecto, embora calmo, de pouca cultura, mas educado, solteiro, mora sozinho naquela casa aconchegante.
Tem como vizinhos três homens e duas senhoras que são seus empregados nas pequenas lavouras de milho, feijão e horta de alface, cenoura e tomate e residem em casas construídas na propriedade. De repente surge ela muito bonita, saudável, com passos curtos, firmes e rebolativa e passa por ele seguindo o caminho existente entre o milharal e um barranco que dá acesso a uma gruta abandonada que serviu de extração de giz, sempre agitando seu pequeno rabicó.
Merilú, uma cabra de boa raça, produtora de leite de qualidade, já conhecia o ritual de todas as manhãs. Subiu numa pedra com um pouco menos de cinqüenta centímetros de altura, ajeitou-se como uma cadela no cio esperando a cobertura do cão.
Logo a seguir surge Zé Maria que se aproximou de Merilú e colocou-se ao lado daquela fêmea caprina para prática de ato anormal.
Zé Maria teve uma infância quase miserável e ainda pequeno sofreu acidente em cerca de arame farpado, resultando em fratura peniana, o que não foi corrigido por seus pais, gente completamente ignorante, excessivamente pobre e exageradamente tímida, deixando ao sabor da natureza a cura para o seu filho, o que ocorreu, após longo período de dores e o resultado definitivo de membro “quebrado” para a esquerda. Além de seus pais e Merilú, só mesmo dona Carla, uma prostituta de 55 anos de idade que ocasionalmente atendia Zé Maria na Casa da Luz Vermelha, no município vizinho a 40 km de distância, sabiam desta particularidade.
A vida seguia tranqüila naquele sítio quando certo dia, no fim da tarde, uma morena bonita, jovem, bem trajada, muito maquiada para o costume rural, se aproximou da casa e batendo palmas, anunciou-se.
Zé Maria atendeu surpreso pela beleza da moça, curioso e muito nervoso pela timidez diante das mulheres. Daí o porque se manteve solteiro até seus 40 anos de vida. Sexo só com dona Carla. Ele a pagava com tarifas superiores às usuais, para que ela guardasse silêncio durante o coito e segredo de sua anomalia. A idade e obesidade de dona Carla, nos últimos seis anos, levaram Zé Maria de encontro a Merilú.
“Meu nome é Maura”..., informou ela e continuou: “e estou aqui na qualidade de funcionária do IBGE para fazer o senso rural deste ano”..., completou.
Zé Maria a convidou para que entrasse e no interior da casa, Maura questionou o proprietário sobre seus afazeres rurais, pecuária, agricultura e outros itens para índice do Governo. Zé Maria não tirava os olhos das pernas de Maura que as exibia ao cruzá-las continuamente e vez por outra agachava para pegar a caneta que “acidentalmente” caía, deixando a amostra aquele lindo par de seios que possuía.
As perguntas foram muitas e a noite caiu como um raio no Sítio da Tranqüilidade. Ele a convidou para que pernoitasse em sua casa, o que foi de imediato aceito por Maura, que já pensava em pedir caso ele não a convidasse. Jantaram, conversaram e depois Zé Maria mostrou o quarto que ela dormiria e ambos se recolheram.
O agricultor na cama pensava naquela mulher maravilhosa que sua timidez impedia de cortejá-la, quando bateram na porta de seu quarto.
“Só podia ser ela”..., pensou porque só havia duas pessoas na casa e uma delas era ele. Ajeitou o pijama e abriu a porta. Lá estava ela, vestindo apenas uma minúscula calcinha vermelha e um chinelo bem feminino, também vermelho, para combinar com a pecinha íntima.
Nada disse. Pegou Zé Maria pela mão e puxou-o para a cama. A noite foi curta para tanto namoro e beijos na boca, sendo que Maura não se deixou tocar em sua intimidade maior o que foi respeitada por Zé Maria que, na sua inexperiência com as mulheres, pensou estar ela inibida pelo fato de ser a primeira vez deles.
Zé Maria acordava cedo diariamente e nesse dia não foi diferente, apesar do cansaço. Abriu os olhos e encontrou na sua cama aquela linda e fogosa mulher. “Não foi sonho a noite passada, ela existe de verdade”..., pensou ele. Observando-a dormir profundamente, pela primeira vez na vida ele teve coragem de ousar e desceu a calcinha delicadamente para que ela não acordasse.
Que surpresa!
Assustado, ele ficou imóvel olhando aquela mulher que era tão homem quanto ele. Zé Maria foi até a sala, tirou da parede um chicote que decorava o ambiente, voltou ao quarto e acordou aquela “mulher” que dormia na sua cama.
Maura levantou-se assustada, chorando e confessou: “Sou Mauro, nascido homo há 25 anos e soube de sua anomalia, com todos os detalhes, após uma grande bebedeira de Carla que se acha abandonada por você. Fiquei apaixonada mesmo sem te conhecer e tive que inventar a história do IBGE para conseguir me aproximar. Deixe-me ficar contigo. Ninguém aqui saberá e eu te farei mil vezes mais feliz do que você foi à noite passada...”.
Por muito tempo Merilú berrou, todas as manhãs na gruta, a perda do companheiro matutino.

Tuesday, December 27, 2005

Prazer Acidental

Sexta-feira, 24 de março. Carlos, cabelos castanhos, olhos azuis, 32 anos, 1,72m, chegou em casa mais cedo para comemorar o 4° ano de seu casamento com Mary, mulher tipo modelo, cabelos e olhos negros, morena, 30 anos, 1,60m, com todos os demais atributos femininos proporcionais ao seu tamanho.
Eles saíram para um barzinho e depois percorreram alguns outros similares, já tendo programado terminar a noite num motel como nos bons tempos de namoro.
No 3° barzinho que entraram notaram a freqüência “teen” e não saíram de imediato, preferindo permanecer um pouco mais e procuraram uma mesa afastada da pista de dança onde o som ameno permitia a eles conversar.
Ao lado da mesa escolhida estava um casal que, pela idade, era corpo estranho naquele recinto. Falavam da diferente geração que se contorcia ao som frenético e barulhento com letra abstrata.
A situação semelhante dos casais logo os aproximou e entre as apresentações e troca de informações logo se identificaram como pessoas que procuravam as mesmas coisas num dia especial, sendo que o segundo casal comemorava o 3° ano de namoro, embora morasse junto, ainda sem casamento, o que pretendia para o próximo ano.
O papo transcorria animado, quando Mary e Fernanda, mulher bonita e sensual, morena, cabelos e olhos castanhos, 25 anos, 1,58m, corpo lembrando o desenho de um violão, levantaram e dirigiram-se ao toillet para retoque da maquiagem.
Fabiano, um rapaz moreno, cabelos e olhos negros, 28 anos, l,65ms, fisionomia ao gosto feminino, convidou Carlos para irem todos ao apart-hotel que ficava ali perto, na Barra.
“O apartamento é agradável, com ar refrigerado central, serviço de copa-cozinha e nós teremos uma noite bem diferente, agradável e inesquecível, fugindo totalmente da mesmice do cotidiano”..., disse Fabiano.
As mulheres regressaram animadas e Mary falou ao marido do convite que recebera de Fernanda para esticarem a noite no apartamento dela, o que fez Carlos comentar a coincidência do convite. Aceitaram.
Ao chegarem ao apartamento, Fabiano deixou os convidados bem à vontade. A conversa seguia bem animada quando Fernanda tocou no assunto “sexo”.
Todos fingiram naturalidade como se fosse lugar comum à prática de sexo grupal, que era a intenção obscura de todos, quando na verdade, o que conheciam a respeito, foi visto unicamente nos filmes pornôs exibidos nos motéis.
Por algum tempo ficaram olhando-se mutuamente, sem gestos ou palavras para quebrar aquele gelo momentâneo, quando Fernanda levantou-se rapidamente, dirigiu-se para Carlos e disse:
“Antes que haja arrependimento e estrague esta experiência que nós queremos gozar em conjunto, eu começo”...
Daí em diante iniciou-se um ritual cediço, insinuante, atrevido, libertino, indecoroso, próprio de um casal jovem e audacioso e tudo assistido em silêncio e com excitação incontrolável por Mary e Fabiano.
Passado cerca de 15 minutos, Carlos, sabendo que a cena seria invertida, aproximou-se de sua esposa e sussurrou com a voz e os olhos vazando ciúme: “Acho melhor agente parar por aqui e”...
“De jeito nenhum. Após termos assistido toda esta cena, você tem obrigação de dar forra a mim e a Fabiano. Agora é nossa vez!”..., respondeu ela.Os casais de vez em quando se encontram “acidentalmente” após rápidas palavras trocadas por telefone entre Mary e Fernanda.

Registro de Perene


Registro de Perene

FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL
MINISTÉRIO DA CULTURA
ESCRITÓRIO DE DIREITOS AUTORAIS

Registro nº 333.363
Livro 612 Fôlhas 23

Rio de Janeiro,
05 de Outubro de 2004


Capa (aberta) de Perene