Perene

Thursday, December 29, 2005

Apenas Para Seus Olhos

Ele nasceu numa família pobre brasileira do nível classe média baixíssima onde teve sua infância e adolescência. Na fase adulta fez-se profissional, casou-se e passou a ter sua própria família, vivendo o conforto da classe média. Seu relacionamento com esposa e filhos era praticado dentro de uma normalidade cotidiana comum a maioria das famílias constituídas.
Certo dia conheceu uma mulher bonita, também casada e com filhos, cujo relacionamento conjugal estava abalado e já em fase terminal.
A amizade transformou-se fácil e rapidamente em relacionamento amoroso e o namoro seguiu crescendo como se fosse regado a fermento.
Eles tinham entre si características e gostos comuns, dentre eles o prazer pelos livros e acreditavam em sorte, milagres, esoterismo, ciências espirituais e poder mental.
Thiago, pela primeira vez, tinha um ponto de comparação para examinar sua vida conjugal e finalmente confirmar o que ele já percebia: seu casamento foi um fracasso total. Ele surpreendeu-se quando descobriu que estava se apaixonando por Ângela; aquilo não deveria acontecer assim, porque Thiago sempre levou sua vida de forma séria e honesta e ainda acreditava em seu casamento; poderia investir e se dedicar mais ainda para salvar a unidade familiar e tomou a decisão que julgou ser a melhor para todos, embora dolorosa para ele: encerrou aquela história de amor proibido antes que não houvesse volta.
O tempo passou e não trouxe solução para os problemas de Thiago que além de aumentar as faltas cometidas por sua esposa ainda maltratara profundamente seu corpo, lembrando a ele que a terceira idade bateu em sua porta.
Certa vez, de passagem por um shoping, viu uma senhora que olhava a vitrina de uma loja de roupas feminina e sua imagem lhe trouxe velhas recordações.
Aproximou-se dela e logo a seguir foi tomado por uma grande alegria por reconhecer e ser reconhecido por Ângela e após um apertado abraço a convidou para um suco de fruta na praça de alimentação.
Durante uma conversa de hora e meia, ambos saciaram suas curiosidades mútuas. Ângela teve conhecimento das decepções e insucessos que marcaram esses últimos trinta anos na vida de Thiago e ele soube das desventuras sofridas por ela nas tentativas de mais dois casamentos fracassados; os prós e contras das vidas dos filhos e de netos de ambos; os livros lidos; as desventuras amorosas; as saudades mútuas.
O diálogo só percorria o passado dos verbos e ativou em ambos o clima daquela paixão por eles vivida. Ela deu a dica e ele fez o convite para um encontro mais íntimo. Quem olhasse aquele casal, jamais imaginaria nele um comportamento juvenil, salvo os que viram a dupla adentrar o motel.
Uma vez acomodados, trocaram carinho sincero porque entre eles haviam, de veras, além de uma boa lembrança e sobras de uma paixão, um pouco de pejo pela ação do tempo em seus corpos.
Impulsionados pelas lembranças das ardências de seus corpos nas ações sensuais de outrora, depuseram suas roupas no chão sem observar um cabide solitário e nu posto ao lado do grande espelho direcionado para a cama. De mãos dadas, de pé, em frente ao espelho, cada um observava as imagens de ambos que revelavam a verdade deprimente do atual estado físico do casal.
Sem pronunciarem uma só palavra, olhavam-se nos olhos pelo espelho e pareciam comunicar-se mentalmente por longo tempo.
Todo o ambiente permanecia intacto, imóvel e mudo, salvo a imagem do casal que fora de foco e tortuosa ia lentamente se modificando, como um filme rodado de trás para frente, revelando a forma de seus corpos quando tinham ambos aproximadamente quarenta anos de idade. Amaram-se apaixonadamente e a seguir adormeceram profundamente por duas horas.
Ao acordarem não fizeram nenhum comentário a respeito do acontecido, visto que estavam envergonhados por terem dormido e sonhado, achando que o outro tinha permanecido acordado e decepcionado com o ocorrido, ou melhor, com o que não ocorreu. Só não entenderam porque estavam tão cansados e com marcas, vestígios e a sensação de uma batalha amorosa travada intensamente.
Nunca mais se viram ou se comunicaram, mas aquelas imagens se reproduziam freqüentemente.
Apenas Para Seus Olhos.

7 Comments:

  • At 1:29 PM, Anonymous Anonymous said…

    "Apenas Para os Seus Olhos" gerou em minha mente, algumas perguntas: Vale a pena reviver um amor do passado?
    Não é melhor para o coração sonhar com o que poderia ter sido? Ou guardar uma lembrança feliz?
    Querer reviver o que ficou no passado, penso eu, pode ser uma forma de matar uma ilusão de que um dia se viveu um amor pleno, neste planeta, de tantos desencontros da alma.

     
  • At 5:32 AM, Blogger Unknown said…

    Muito bom. Instigante!

     
  • At 7:09 AM, Blogger brasil said…

    José Queiroz via Facebook

    Gostei do "Apenas Para seus Olhos" , Paulo. Muito bem escrito. Há uma passagem do casal protagonista, já na terceira idade, se relacionando em um barco interditado no livro "O Amor nos Tempos de Cólera" que descreve algo parecido. Lá o homem espera mais de cinquenta anos para aconchegar-se à manceba.

     
  • At 7:15 AM, Blogger brasil said…

    Jenny Wren via Facebook

    Paulo Brasil, muito tudo de bom!!! Penso que assim deveria ser, deve-se viver a paixão faz bem em todos os sentidos, o tempo passa e eu chego à conclusão mais corriqueira de como a vida é curta.

     
  • At 7:18 AM, Blogger brasil said…

    Jenny Wren via Facebook

    Madame Odete escreveu pra redação dizendo que está em lágrimas, diz que lembrou de um quase antigo amor.....

     
  • At 7:21 AM, Blogger brasil said…

    Luiz Carlos Rodrigues Luka via Facebook

    É algo meio triste. Mas uma boa prosa, Paulo Brasil! Você daria para o um bom escritor de crônicas!

     
  • At 7:24 AM, Blogger brasil said…

    Gabriela Arbex via Facebook

    Depois desses comentários todos, não há espaço p o meu sobre o lindo texto.

     

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